MOTIVAÇÃO

Além de considerar que as pessoas têm estômago, aqui se leva em conta também que todas as pessoas têm cabeça. É onde, possivelmente, está a real carência. A proposta é promover ações individuais e coletivas que possam atuar no plano psicológico, de forma a motivar as pessoas a buscarem suas próprias soluções, e dar sustentação a esses propósitos. É claro que, numa fase inicial, precisa prover a necessidade de alimentação e de outras carências inadiáveis, como remédios, roupas, cobertores, etc. Mas o que se busca é a SUPERAÇÃO efetiva das carências materiais, o que possivelmente vai exigir uma TRANSFORMAÇÃO pessoal.

MISSÃO IMPOSSÍVEL?

Determinadas pessoas deixam a impressão de ser muito difícil alcançar uma verdadeira mudança pessoal. Como, por exemplo, mudar a rotina de um pedinte. Mesmo assim não cabe dizer que a mudança é impossível. Mas pode ser adequado considerar que, em vários casos, o esforço necessário para se conseguir alguma mudança vai exigir tempo demais.

Então, basicamente, dois grupos devem ser considerados:

RESPOSTA NECESSÁRIA

Essa divisão orienta uma escolha, baseada na seguinte visão:

- Independente de alguém querer ou não mudar de vida, este alguém pode se unir de alguma forma a outra pessoa, ter filhos, constituir um núcleo familiar. As crianças que surgirem desta união vão precisar de uma formação, de cuidados de saúde. Se os pais não se dispuserem a fazer isso por elas, alguém precisa fazer. Pela lógica e pela lei, este alguém é o Estado, aqui considerado como administração pública, tanto no nível municipal, como estadual ou federal;

- O Estado arrecada através de impostos. Tem a obrigação de amparar cidadãos e cidadãs carentes, de todas as faixas etárias. De certa forma, esta carência pode estar ligada a razões estruturais da Sociedade, de maior responsabilidade ainda do Estado. É também uma forma de evitar que mais pessoas se aproximem da violência pela exclusão marginalizante;

- A Sociedade, que já paga impostos, não tem porque suprir também todas as pessoas que necessitam de apoio. Mas PODE TENTAR, EM OUTRAS FRENTES, criar alternativas de atendimento com propostas novas. Como esta. Portanto, esta comunidade vem no sentido de organizar segmentos da sociedade, de forma a atender PARTE do contingente de pessoas carentes. Nesta proposta é explícita a escolha pela parte de pessoas enquadradas no primeiro grupo considerado acima, ou seja, as pessoas que demonstrarem interesse em se comprometer com mudanças pessoais para alcançarem suas soluções. Sendo assim, quem contribui com as metas desta comunidade, está contribuindo para o desenvolvimento de um projeto de vida para quem quer mudar de vida.

"- NÃO VOU MAIS PEDIR."

A decisão por uma mudança pessoal pode acontecer diante do primeiro estímulo, ou pode demorar algum tempo, ou muito. Esta comunidade pretende incentivar essas pessoas a chegarem ao momento de decisão. E então prosseguir no trabalho de apoio a esta decisão em cada caso. Quem não corresponder aos estímulos numa primeira oportunidade, poderá fazê-lo no futuro. A comunidade terá atividades abertas à população, tentando despertar para o momento de decisão. O momento de decisão será caracterizado pela renúncia definitiva ao ato de pedir. E a aceitação das adaptações decorrentes da nova maneira de viver. Esta decisão não precisa ser cobrada explicitamente, para caracterizar o momento. Porém será observada ao longo da aproximação do carente com esta comunidade.

PARA QUEM DECIDIR MUDAR

A pessoa que decide deixar de pedir assume compromissos e passa a receber uma contrapartida suficiente, um apoio material provisório para sustentar também seus novos propósitos. Na medida em que corresponde aos compromissos assumidos consigo, logicamente vai alcançando - ou focando melhor - os seus objetivos. À base, também, de todo um apoio emocional, psicológico, que faz parte desta proposta. Vai contar também com o apoio dos Grupos de Orientação, num trabalho onde vai ser possível observar melhor o real interesse pela mudança ou os empecilhos a serem tratados. O ponto final desta seqüência é sair da condição de carente. Vale considerar que o trabalho digno e remunerado aparece como elemento importante no contexto do esforço para mudanças que conduzam à autonomia. Porém, os que, ao longo do tempo, não se mantiverem diante dos próprios compromissos, vão sendo naturalmente desligados do atendimento material. E encaminhados para os serviços assistenciais oficiais.

Uma vez que a Constituição de 1988 deu status de Política de Estado à questão da Assistência Social e que a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social - Lei nº 8742, de 7 de dezembro de 1993) estabeleceu parâmetros para o setor, o Governo, nas três esferas administrativas, está obrigado a oferecer proteção e assistência social a todos os cidadãos que necessitem, por meio do SUAS - Sistema Único de Assistência Social. Porém, o atendimento oficial não exige nada de nenhum dos assistidos. Fica, então, como a alternativa para quem não manifestar interesse em mudar de vida.

INVESTIMENTO SOCIAL

Assim, as pessoas que contribuírem - esponteamente, sempre - com as entidades ligadas a esta comunidade, estarão contribuindo principalmente com o apoio a pessoas comprometidas com a superação das próprias carências, que estão tentando transformações pessoais. Um verdadeiro "investimento", porque exige retorno, no caso, a ascenção pessoal do carente. Portanto, aquelas pessoas que sempre se recusaram a "dar dinheiro e não ver mudar nada", ou "dar dinheiro não se sabe pra que", agora vão ter uma alternativa para propiciar mudanças.

CULPA OU INOCÊNCIA

É muito importante deixar claro que a referência de culpa NÃO está presente na lógica que conduz esta proposta. Ao se identificar grupos de pessoas com comportamentos diferentes, não se pretende absolutamente supor qualquer culpa desta ou daquela pessoa pela condição em que se encontra. Pelo contrário, o que deve ser colocado previamente é que ninguém tem o direito de imputar culpa a quem quer que seja. No entanto, quando se propõe a transparência ativa, é necessário que a pessoa que fizer sua contribuição espontânea a qualquer projeto, saiba exatamente os objetivos desta comunidade e para qual uso a doação vai ser destinada. É neste sentido que é informada previamente qual parte do contingente de pessoas carentes se pretende atender.

VISÃO HUMANITÁRIA INDISPENSÁVEL

Também precisa ficar claro que, na visão humanitária indissociável desta proposta, não cabe imaginar que as entidades que atendem idosos, ou outras pessoas carentes com limitações incontornáveis, vão esperar atitudes de transformação para prestar atendimento. Tanto no plano material, como no plano psicológico, essas pessoas precisam ser atendidas incondicionalmente. É o caso também de crianças, que ainda não estão preparadas para suas escolhas. Mesmo sendo esta uma proposta voltada para transformações pessoais, a lógica de aproximar entidades que, pela própria natureza do público alvo, dificilmente vão conseguir estas mudanças entre os atendidos, está na consolidação de alguns hábitos importantes. Por exemplo, no fato de que essas entidades deverão se comprometer com a transparência ativa, mantendo aberta a contabilidade, caracterizando o perfil de seus atendidos, as metas da entidade, seus projetos, seus métodos e competência técnica. Através da página eletrônica que vão manter no portal desta comunidade, vão apresentar um perfil completo. E ainda, não estarão mantendo, entre a sociedade, a prática da abordagem direta, por não estarem mais pedindo contribuições diretamente às pessoas, em função do compromisso presente nesta proposta. Esta comunidade poderá ainda incluir atendimentos a grupos que não encontram alternativas de apoio bem estruturadas e que se encaixem num contexto de segurança social, como é o caso do acampamento solidário.

O TAMANHO DO DESAFIO

Uma das metas desta comunidade é o dimensionamento e o mapeamento da carência em Campinas. Deve ser difícil, mas programas tipo bancos de dados e a mobilização da comunidade, devem permitir estimativas cada vez mais próximas. A necessidade deste dimensionamento é premente. Surgem cada vez mais ongs e entidades voltadas para o atendimento desta ou daquela carência. E mesmo assim sempre tem gente desassistida! Dá a sensação de que, ajudando ou não ajudando, o problema sempre continua do mesmo tamanho. O que se pretende é ter uma noção do número e condição dos carentes que vivem em Campinas, considerando cada segmento (crianças, idosos, deficientes, adultos, etc). Até para que o eventual sucesso desta iniciativa não acabe gerando uma importação de desafios, mas uma exportação da experiência, o que parece ser muito mais sensato. A experiência acumulada pode produzir diagnósticos setoriais para direcionar ações futuras a serem empreendidas espontaneamente pela Sociedade.

DOIS PONTOS DE PARTIDA

Esta proposta tem um apêlo social prioritário. Porém, no rumo das soluções pretendidas neste sentido, existe um projeto de forte apêlo ambiental. É o Reciclagem Social, baseado numa idéia um pouco ampliada à respeito da reciclagem do lixo para geração de emprego e renda. Um projeto estruturado numa visão de "desconsumo". O desenvolvimento desta comunidade de investimento social, na prática, pode então começar por qualquer um desses caminhos. Seja como for, um caminho acaba encontrando o outro. Os projetos sociais vão precisar do espaço de trabalho que a reciclagem pode representar, dando oportunidades até terapêuticas para quem está se engajando num esforço de mudança pessoal. E o projeto de reciclagem precisa da mão de obra disponível nos segmentos sociais mais carentes. Por isso, se você é mais sensível a uma causa do que a outra, pode começar desde já a participar.